Bretanha mágica (deuses, druidas, templários, mitos e lendas)

15/05/2015 21:04

Bretanha mágica (deuses, druidas, templários, mitos e lendas) – Por Vitor Manuel Adrião

 

Bretanha mágica

 

A Bretanha é a “terra da deusa Dana”, a mesma Danu dos primitivos Tuatha de Danand, povo mítico antecessor do celta que preenche a mitologia bretã, irlandesa e escocesa do qual diz-se ter vindo do Oriente, da Ásia Central, e por isso alguns orientalistas também lhe chamam Duat de Ananda, ou seja, o “Povo do Paraíso Terreal”. Apareceu tão subitamente como desapareceu de repente, diz-se, nas entranhas cavernosas da Terra. Mas deixou os sinais da sua passagem civilizadora aqui: os monumentos megalíticos, os deuses e a religião dos celtas posteriores, ou seja, as bases teológicas do druidismo, e até mesmo se lhes atribui a invenção das carroças, isto é, a divulgação da roda, inspirada no formato do disco solar de quem diziam ser morada da sua divindade suprema, indistintamente chamada Dagda ou Lug, consorte da mesma Danu.

O culto do deus DagdaLugLugus ou Lux sobreviveu através dos ligures, dos celtas e até se durante a romanização da Gália, período no qual os galos pós-celtas não deixaram de cultuar esse deus mágico, terapeuta, músico, alquimista e metalúrgico, afim ao início da era dos metais, que o Cristianismo veio a incorporar no seu santoral adaptando-o à hagiografia de um São Lucas ou de um São Lourenço, por exemplo, personagens com nomes de raiz “luz” em conformidade às suas vidas santificadas pelo pautado de vivências solares ou claramente espirituais, na demanda do mais elevado Deus do Universo.

Assim é o mesmo Lug, considerado próprio Deus do Sol que armado da sua lança mágica expulsou da Bretanha os maus demónios após uma batalha terrível em que conjurou os poderes celestes para levar à vitória o seu povo Tuatha de Danand, como contam as antigas sagas celtas. Mais tarde, durante a cristianização bretã, a lança mágica de Lugseria associada à espada de fogo do Arcanjo São Miguel e este mesmo, por sua primazia celeste e luminosa junto do Trono de Deus, vindo a ser identificado à pessoa solar e primordial do panteão céltico que era o deus Lug. Foi assim que este reapareceu no culto cristão sob a forma de Mikael ou Miguel, por ambos deterem o poderio divino junto dos homens.

A deusa Dana ou Danu, por sua vez, era reconhecida a divindade da Terra, da Vida e da Morte, sendo tão relevante que o seu grupo humano de semi-deuses é comummente apelidado “Povo de Dana ou Danu”, donde Thuat de Danand. A sua importância terá sido tão grande que deu o seu nome ao País de Dinan ou Danu, hoje sendo a bretãCôtes-d´Armor. Após a cristianização da Bretanha, a deusa Dana, iconografada como uma sereia ou mulher sobrenatural vinda de “Além-Mar”, o Ultramar designativo simbólico do “outro lado do Mundo”, ou melhor, do “Outro Mundo”, veio a ser incorporada à figura da Padroeira da Bretanha, Santana, mãe da Virgem Maria, adaptação feita para substituir o forte culto celta à deusa Lusina, a mesma Danuprimitiva. No século XIV Jean d´Arras adaptou a figura de Lusina à sereia sobrenaturalMelusina, personagem central do seu romance a qual se diz ter dado origem às Armas de Lusignan.

Uma outra santa caríssima ao Cristianismo é Brígida, mas também esta é uma “segunda versão” adaptada da primitiva deusa Brigite dos Tuatha de Danand e dos celtas. As sagas bretãs dizem que ela era filha do deus Dagda e que veio a ser a Musa da inspiração dos bardos, por possuir o Som que vibra no Universo, e também aquela que conduz as almas ao Awen, que era o Céu para esses povos antigos. Além disso, como grande druidisa ou sábia sabia das propriedades mágicas e medicinais das plantas, pelo que também a consideravam deusa curandeira. Ora a Brígida cristã veio a ser reconhecida como santa intercessora junto do Céu, curadora dos corpos e almas aflitos e é tradicionalmente associada à Luz, tal qual Brigite a filha de Lug.

Os Tuatha de Danand, a quem o rio Danúbio e mesmo o rio Guadiana em Portugal devem o seu nome, apareceram em três vagas distintas na Europa inaugurando uma nova era de civilização: 1.ª) vindos do Oriente em era incerta, desembarcaram na costa oeste da Irlanda por volta do 1.º de Maio, dizem as crónicas, que é a data do festival de Beltane ou comemoração da Primavera; 2.ª) da Irlanda ou Erin passaram à Escócia, onde impuseram a cultura e o culto do deus Lug, depressa alastrando ao restante território da actual Grã-Bretanha; 3.º) no ano 1000 a. C., data da aparição do alinhamento megalítico de Carnac e do santuário de Stonehenge, Sul de Inglaterra, vindos da Península Ibérica (Galiza, Norte e Centro de Portugal) os Tuatha de Danandinstalam-se na Bretanha e Grã-Bretanha, ficando conhecidos como Milesianos. É a estes que se deve a maioria dos monumentos megalíticos da Idade do Bronze encontrados nesta parte do Norte de França. Estas três vagas civilizacionais ficaram conhecidas nas crónicas ogâmicas que falam deste povo mítico, como “as três guerras travadas pelos Tuatha de Danand contra os Fir Bolg, povos decadentes substituídos pela civilização daqueles”.

Aos Milesianos ou Mile Espaine se uniriam depois os Celtas gahélicos fundadores da actual Gália. Depois da conquista desta pelos Romanos, a Bretanha passou a fazer parte da Armórica (Aremoricae, “quie está defronte ao mar”). Cerca do ano 500 d. C. os Bretões da Ilha Grande Bretanha sendo atacados pelos Anglo-saxões emigraram para aqui, a Pequena Bretanha, trazendo os seus costumes e língua, cedo incorporando-se nos dos autóctones que nas Côtes-du-Nord eram o País de Dinan, o “Povo da deusa Dana”.

A presença céltica, substituta primitiva da Tuatha de Danand, é dominante na Bretanha, nomeadamente nas artes plásticas, na música e na religião. Nesta, é possível reconhecer na cruz celta símbolos druídicos coincidindo com o simbolismo cristão. A correspondência quaternária da cruz ilustra a repartição dos quatro elementos: ar, fogo, água e terra, e de suas qualidades tradicionais: frio, quente, húmido e seco. Ela coincide com a divisão medieval da região bretã em três reinos (Domnonée, Cornualha e Bro Waroch) incorporado ao quarto que era o próprio Ducado da Bretanha, independente do reino de França até 1532. Actualmente coincide com os cinco departamentos regionais criados a partir de 1790: Côtes-d´Armor, Finistère, Ille-et-Vilaine, Morbihan e finalmente o quinto ao centro da cruz, Loire-Atlantique, que é onde fica Nantes, capital da Bretanha.

Sobressaindo os braços da cruz celta, popularmente chamada “cruz solar”, de um círculo central que os irradia para fora, havendo outro círculo ao centro, os eixos vertical e horizontal formados pelos braços do cruzeiro lembram a passagem do tempo, os pontos cardeais do espaço, enquanto o círculo mantém a memória perene dos ciclos de manifestação da Vida Universal. Mas o centro, no qual não há mais nem tempo nem mudança de nenhuma espécie, é o sítio de passagem ou comunicação entre este e o Outro Mundo, que para celtas e cristãos corresponde ao Paraíso. É, pois, um ônfalo, um ponto de ruptura do tempo e do espaço que propício à passagem para outras dimensões espirituais que muitos druidas e até religiosos cristãos procuraram adentrar, e talvez alguns tenham conseguido, em suas vidas corporais procurando a respectiva imortalidade incorporal.

A estreita correspondência das antigas concepções celtas e de dados esotéricos cristãos, permite considerar que a cruz inscrita no círculo, propagada na Bretanha a partir do século VII, tenha representado, quiçá ainda represente, a síntese íntima e perfeita do cristianismo e da tradição celta que até hoje é imagem de marca característica da Bretanha mágica.

 

A Bretanha (Breizh, em bretão, Bretagne, em francês) ficou composta, em termos históricos, por duas áreas linguísticas: a Baixa Bretanha ou Breizh Izel, a Oeste (Finistére, Morbihan e a parte ocidental de Côtes d´Armor), onde se fala a língua céltica do grupo britânico (aparentado ao galês e ao cornualho) designada como bretão (ou bretão armórico); e a Alta Bretanha ou Breizh Uhel, a Leste (Ille-et-Vilaine, Côtes d´Armor e Loire-Atlantique), onde se falam dialectos românicos (langues d´oïl) conhecidos como “Gallo”.

Os nomes realmente bretões só aparecem nos últimos séculos da Idade Média, período no qual a língua bretã falava-se a oeste de uma linha indo de Saint-Brieuc a Saint-Nazaire, passando por Loudeac e Ploermel. Portanto, o limite entre os nomes bretões e os nomes franceses não era muito claro, porque numerosas migrações tiveram lugar no decurso dos séculos entre os dois lados dessa linha. Pode-se então estimar que os nomes mais antigos de famílias bretãs remontam ao século XI.

Nas diversas expressões das artes plásticas, e nomeadamente na música, ainda hoje a influência ancestral do espírito celta consegue a “anular” a presença cristã que veio com a romanização nos séculos V-VI. Ao nível musical, a música de dança cantada (kan ha diskan, ou canto e contra-canto) é interpretada com dois instrumentos tradicionais da Bretanha herdados, assim como as danças, da cultura celta: o biniou (espécie de gaita de foles, também chamada “cornemuse bretã”) e a bombarda (espécie de oboé), que são muito tocados tanto na Alta como na Baixa Bretanha. Os bailarinos juntam-se nas chamadas fest-noz (festas nocturnas) ou nas fest-deiz (festas diurnas), como primitivamente faziam as populações celtas para celebrarem alegremente o amor e a vida, ora à volta das fogueiras, ora em campos trigais celebrando a abundância e prosperidade.

Bretanha mágica (deuses, druidas, templários, mitos e lendas) – Por Vitor Manuel Adrião

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